segunda-feira, 26 de abril de 2010

Quem tem medo da reforma agrária?






Qualquer pessoa que tenha a oportunidade de viajar por países da América Latina, ou mesmo da Europa, com a finalidade de participar de fóruns e debates políticos internacionais, especialmente entre intelectuais e forças sociais progressistas, logo, preocupados com uma agenda de transformação social e com a construção de um mundo onde a vida humana seja medida não pelo seu suposto valor mercantil (como força de trabalho ou mão de obra), mas pela dignidade que lhe é radicalmente inerente, ouvirá que o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST, é um dos mais importantes e mais bem organizados movimentos sociais do mundo.

Engraçado que a imagem do MST dentro do Brasil, justamente pelo papel nefasto desempenhado pelos meios de comunicação corporativos-comerciais, que mais que informar, desinformam e deformam, é de que ele se constitui basicamente em um grupo de vândalos, criminosos e delinquentes que “invadem” a terra de honrados e ilibados proprietários e produtores rurais (e a equação é fácil de fechar: se os meios de comunicação de massa são oligopólios comerciais, são financiados por empresas ou grupos privados, logo, a insustentabilidade da falácia sobre a “imparcialidade” de quase tudo que se publica sob o nome de jornalismo nesse país).

O fato é que não é necessário ser socialista ou revolucionário para defender e entender a importância da reforma agrária. Os EUA, por exemplo, a grande meca do mundo capitalista liberal contemporâneo, só se tornou o que é hoje porque, ao vencer a guerra de independência contra os ingleses, realizou um importante processo de reparto agrário. Todos os países importantes do capitalismo contemporâneo, como Alemanha e Japão, fizeram o mesmo. E mesmo países considerados mais pobres que o Brasil, do México à Bolívia, realizaram também suas reformas no campo.

Mas a herança brasileira é de outro corte. Viemos de uma monarquia escravocrata que desenvolveu um processo de ocupação territorial baseado nos laços de irmandade entre as elites lusitana e brasileira, e onde a concentração de terras, baseada na manutenção de um regime de trabalho forçado, primeiramente, e depois em um modelo quase servil de semi-assalariamente com a absorção de mão de obra imigrante (no auge das teses sobre a necessidade de “branqueamento” do país), voltado para o monocultivo agro-exportador, sempre predominou. O resultado é lógico. Muita gente “desocupada”, baixa produção de alimentos, lucros exorbitantes para os produtores e suas famílias que monopolizavam grandes faixas de terra (doadas ou roubadas do erário público, aclaremos). Sem um mercado interno desenvolvido, a fome e outras privações se alastraram como uma epidemia entre a maioria da população desse país, enquanto uma elite pequena e cosmopolita financiava com a exportação de café, borracha, açúcar ou seus posteriores correspondentes, a importação de todo tipo de luxo e modismo da indústria europeia e estadunidense.

Se algum curioso um dia resolver se perguntar porque as favelas se converteram em um fenômeno tão absurdo no Brasil, e porque a maioria da massa humana depositada nos presídios é formada essencialmente por gente jovem e negra, talvez chegue a associar com algum resquício de inteligência, nesses tempos difíceis de domínio de uma educação bovina televisiva, que a escravidão negra, o extermínio das populações indígenas, a exploração de gerações de imigrantes e a existência da grande propriedade rural em nosso país, tenha alguma coisa em comum.

Quem sabe? Aí em algum momento esse mesmo curioso resolva buscar informações sobre as origens de lutas populares como aquelas levadas pelo MST (que está longe de ser o único movimento no Brasil que reinvindica a chamada “justiça social”) para além do que se diz dele no Jornal Nacional ou na revista Veja, essas duas torres gêmeas da estupidificação da opinião pública brasileira. E entenda que quando as pessoas, em situação de urgência e drama social, e quando as instituições políticas são morosas ou mesmo um obstáculo para o avanço das demandas dos pobres e de todos os subordinados política e economicamente, são levadas a buscar estratégias de mobilização e de pressão mais ousadas, como no caso das “ocupações”, agem com toda a legitimidade moral, pois são movidas não pela busca de enriquecimento pessoal, mas pela necessidade de correção de equivocadas opções históricas pagas com o sangue de gerações de trabalhadores e toda sorte de gente humilde.

2 comentários:

  1. Que as oligarquia latifundiárias brasileiras são más, sacanas e têm uma herança injusta e maldita não lhe faço objeção, caro confrade. Que o Brasil é um dos únicos países do mundo que não passou por um processo de independencia real, mas de troca de poder (aquela história do D. Pedro proclamar a independência é piada, ele pediu a independência para administrar os assuntos do Pai!!!) e isso gera a mazela mais profundas na distribuição de terra em nosso torrão tb é muito acertado.

    Agora defender o MST como movimento imaculado e com luta pelo progressismo social tb já é ingenuidade... Procure pelos bens dos líderes desse movimento (e de seus famíliares) e verá que não são menos capitalistas que os latifundios, apenas tiveram menos sorte na vida. O que é comum no MST tb é depredar propriedade produtivas, como aquele caso do quebra-quebra no laboratório... Não questiono os ideais pregados pelo movimento, mas o MST já chafurdou na lama tb!

    Forte amplexo libertário!!

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  2. Caro Amigo Parallax,

    Jamais tratei o MST com essa ingenuidade que vc sugere. Pelo contrário, conheço vários assentamentos e sei de vários problemas que existem ali dentro. Cito alguns: autoritarismo por parte de algumas lideranças, decisões tomadas de forma verticais, ligação quase simbiótica com deputados/vereadores do PT, etc. O que de fato nunca conheci foi essa verdadeira lenda, criada pela revista Veja e o Jornal Nacional, de que o movimento estaria loteando terras para vender! Ora, se as terras desapropriadas passam a ser possessão concedida pelo Estado para as Associações/Cooperativas que os agricultores devem criar (pasme: nenhuma terra vai pro MST como movimento! Apenas os associados são membros do MST, como poderiam ser da igreja presbiteriana ou da católica, se assim me faço entender), essas mesmas não podem ser vendidas como parcelas individuais!
    Outro dado importante: as denuncias referentes a venda de terra, até onde eu sei, procedem de outros processos e outras organizações camponesas que conduzem a reforma agrária de modo diferente do MST (ou seja, criando lotes individuais para os beneficiados). Aí sim, sem controle, fica fácil o pessoal se desfazer das terras, pelos motivos que forem convenientes...

    Agora, se existem líderes corruptos, esses devem ser denunciados e expulsos do movimento. E talvez vc me ache ingenuo, mas até onde eu saiba, nenhum dirigente do MST se enriqueceu às custas do movimento. E se isso aconteceu, eu serei o primeiro a protestar e pedir sua saída, sem que isso signifique deixar de apoiar o movimento e a defesa da reforma agrária.

    Sobre o fato de serem vandalos e destruírem propriedade alheia, como bárbaros modernos, isso também é discutível e controverso. Sugiro a leitura desse artigo, específico sobre o caso Cutrale, o mais recente, e daí podemos seguir nossa prosa:


    http://passapalavra.info/?p=18199


    http://passapalavra.info/?p=13751


    abraços libertários

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